quarta-feira, 24 de agosto de 2016

A Identidade do sujeito pós-moderno

Capa do livro de Zygmunt Bauman
(Capa do livro de Zygmunt Bauman)
A modernidade do século XX trouxe consigo quase que uma obsessão pela racionalidade, aplicada analiticamente a tudo, em continuidade às revoluções científica e industrial dos séculos anteriores. A vida cotidiana tornou-se mais impessoal, praticamente robotizada, feita de algoritmos; as relações interpessoais, mais pragmáticas e efêmeras. O tic-tac do relógio marca o compasso da rainha Produtividade, e com ela, o mestre Lucro a apontar quem fica, quem recebe, quem vence, quem é superior.

Fato é que os seres humanos ainda estão aprendendo tardiamente a utilizar a modernidade de maneira ética em prol da coletividade (não apenas local). Toda a humanidade, principalmente os menos abastados, vem pagando caro a “fatura” – para não dizer coisa muito pior –  porque uma ínfima quantidade de pessoas (perto de 1% da população), detentores da imensa parte de capital, recursos e influência política do planeta, tem abusado pecaminosamente dos poderes oferecidos pela modernidade. Fatura cobrada em parcelas a perder de vista, enquanto tentamos dolorosamente amortizar os altos juros da transição para a pós-modernidade – um fundo garantidor que não nos garante nada.
Modernidade líquida
Culturalmente, o liberalismo econômico e a globalização vêm gerando constantes mutações nas identidades dos povos, numa natural adaptação à “modernidade líquida” (Bauman) em que vivemos. As culturas que antes eram alicerçadas nas identidades regionais de cada povo, tornaram-se mais globais do que locais, sem faces bem definidas. O que vem de fora passou a falar mais alto, de forma imperativa e imperialista – numa alusão direta ao pós-colonialismo.

“Globalização significa que o Estado não tem mais o poder ou o desejo de manter uma união sólida e inabalável com a nação” (BAUMAN, “Identidade”, p. 34).
“Pense globalmente, aja localmente” tornou-se um dos “mantras” nas organizações capitalistas globalizadas.

Com o aumento do poder de consumo das pessoas, o “Century of the self” (século XX) trouxe mais poder à liberdade individual, ao ego, desprendendo o indivíduo das suas tradições regionais e responsabilidades com a comunidade. 

Cada ser humano nunca foi tão único e, ao mesmo tempo, tão igual ao resto do mundo, pois deixou sua identidade se diluir nesse mar de culturas globais. Contudo, essa homogeneização nas identidades gerou, em contrapartida, uma necessidade interna nas pessoas em redescobrir suas raízes – agora diversificadas, plurais, híbridas. Nota-se no ser humano do século XXI essa tendência no sentido de revalorizar e atualizar os fatores intrínsecos de cada cultura – o que caracterizava as pessoas como parte de uma coletividade e dava concretude às suas identidades.

Chico ScienceChico Science foi um dos artistas que captou como poucos a essência do ser humano pós-moderno. "Em seu projeto de pós-modernidade, Science valorizou a comunicação, a emoção coletiva. Muito além de Marx ou Freud, encontramos o empirismo, a vida cotidiana, uma espécie de hedonismo - o prazer imediato como único bem possível - a valorização das camadas populares, o 'presenteísmo', uma 'sociologia acariciante que não violenta a realidade ao investigar a decadência, afirmando o presente e grudando os olhos na imensidão'." (NETO, Moisés. CHICO SCIENCE, A Rapsódia Afrociberdélica)

Genérica e ideologicamente falando, o ser humano pós-moderno sofreu uma morfogênese em sua identidade, aprendeu a respeitar a liberdade individual do outro adaptando-se às diferenças culturais, enquanto busca redescobrir sua essência, outrora perdida, e revalorizar sua regionalidade, outrora descartada.
A identidade do ser humano pós-moderno é analógica-digitalizada, regional-globalizada, tradicional-modernizada, coletiva-individualista, rudimentar-inovadora, real-virtualizada, singular-multifacetada. E vice-versa.

Identidade do ser humano pós moderno

(parte do texto publicada na edição de agosto de 2016 do Jornal "Imbituva Hoje Regional")